terça-feira, 29 de novembro de 2016

470. Escorrega


Escorrego daqui e me vejo no chão
Em uma viagem atônita sem folga sem folego
Escorrego por milhares de vãos, ondulações sensoriais
Dobras do tempo azeitadas e gordurosas
Escorrego entre verdades serosas impermeáveis
E me estraçalho em mentiras itinerantes impenetráveis

Tolero segredos sinceros vestidos de dourado
Até que eu corra perigo
E o freio falhe E o abismo eu aviste
E o futuro eu vislumbre sem volta Enquanto escorrego
Com a poesia mórbida entre os dentes
Arauto do fim, Profeta do caos, Mecânica de dedos e letras
Cuja força e certeza violentam cada tecla enquanto rebatem
Ritmicamente, profundamente
enquanto você se debate
tentando escapar
Violeta mente
Via lenta rente
Via certa lente
Via letra gente
Vislumbre que é lúgubre
Deslumbre que é fúnebre
Luz Tombo Portal
Saída Conclusão Final
Tino destino Umbral
Me esborrachei até aqui e não vou muito longe

MDansa

20/08/2016

sábado, 5 de novembro de 2016

469. Sobre os seios de Maria Alice

Corpo, marcas, cicatrizes, rugas...
consequências dos dias vividos,
da historia de cada um.

A lição aqui é amar a si mesmo,
é aceitar estes presentes do tempo,
é aprender a vislumbra-los sem se machucar,
é perceber que o fluxo da vida é belo,
e que o tempo é um escultor de carnes e peles e cabelos e formas,
moldando obras de arte dinâmicas e pleomórficas.

Temos muito o que aprender ainda sobre a vida
pra enfrentarmos com lucidez e serenidade essa inexorável transformação.
A beleza da mariposa que só pode ser vista pela ótica da sabedoria.
Quem não vê beleza aqui,
nunca será feliz consigo mesmo
nem com o que lhe foi ou ainda será oferecido pela natureza.

MDansa
06/11/2016

http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/11/03/os-seios-de-maria-alice/

domingo, 9 de outubro de 2016

468. Águas de uma pequena morte

I.
Molho sua terra como quem rega
O chão que promete
a flor de lótus mais cara
suas pétalas seus botões, joia rara

Uma luz surge entre nossas pernas
é o nascer de um sol entre quimeras
Ilumina caminhos carinhos e conduz
Umedece pele pelo águas ..a luz

II.
Tanto sol e tanto amar... alma repleta
olhos fechados  boca entreaberta
uma voz, um gemido, um alerta
uma  língua que provoca  posto que é viva
um desejo que escorre, corpo que avisa
uma dor que trafega entre o afago e o tapa
tudo desperta flui segue o fluxo... escapa

Já não sei onde é nascente onde é foz
Procurando o começo
ouço atenta e sigo a sua voz

III.
Retorno ao ponto de partida carrego a água
Colhida da cacimba mucosa e rosea em que naufraga
por toda a sede que resseca indecorosa
Imploro o vigor da água densa e caudalosa
Rio de leito raso e margem pedregosa
Que corre sempre e mais querendo quando o sol arde
Eu sempre quis você... não...não é tão tarde...

IV.
Umedeço a paisagem tridimensional aberta
Aqui e lá, ali e aqui e acolá é toda e apressa
deslumbrante e indecente
Toco a paisagem descoberta
enquanto troco ávida e insistentemente

Saliva por saliva
Saliva por alma
Saliva por água
Saliva por cheiros amônicos
Saliva por cantos afônicos
Saliva por sabores cores e retalhos
Saliva por carinhos e atalhos
Saliva por restos de mar e cascalhos
Saliva por sal de pele água de suor
Saliva por riso rompido e despudor
Saliva por umidade calor água de tesão
Saliva por lindas bolhas de sabão

V.
E assim chovem pensamentos em carnes carro areia
Espaços livres onde meu desejo galopa e me golpeia
Que podem ser qualquer motel vagabundo
Qualquer rua deserta qualquer mundo
Qualquer banheiro de bar barato
Qualquer canto escuro, qualquer mato
Coração livre e pensamento inexato

Ali onde a saliva se esgueira entre cantos e dobras,
Transita por poros conchas e outras sobras
Já não sei o que produziu você
E o que sou eu
Mas todas as águas jorram unificadas...  entardeceu
Escoam finalmente chafarizes e cicatrizes do meu corpo ateu

VI.
Olhos d’água que se inventam, se demoram e brotam
Nascentes que minam pedras fluidas que não se esgotam
Sonhos que apunhalam, inseminam e não se importam
Com o falo simbólico opulento e  invisível
Onde só o prazer é guia e meta intransferível
E sonhos se reproduzem e permanecem...
Portanto são também vivos  os que padecem

VI.
Morro aqui uma pequena morte
- Dolorida e derradeira sorte.

Me debato quase afogada
Morrendo sem fôlego numa enchente anunciada.
em suas águas ....
em nossas águas...
deixo pra você meus sonhos submersos
mantenho-os aqui trancados nos meus versos.
MDansa

20/08/2016

sábado, 8 de outubro de 2016

467. Esbarro e te prendo em mim
















Esbarro em você neste caminho estreito
Soam despretensiosas notas casuais...
te espreito....
Despudoradamente sinto a pele arder
Jogos de luz e sombra sensoriais
toque leve ... que antecedo
maciez delicada ...  que segredo
viagem no tempo alguns segundos mais 
algo menos que nada
aquilo que contamos como eternidade, onde se permanece...
enquanto tudo tão rápido passa ...envelhece

Esbarro e me detenho na fração desse algum segundo
Deslizo nas cordas/fibras dos seus músculos e do seu mundo
numa união/mistura que me cola e que me toca
Pele com pele, harpa
Carne com carne, farpa
agentes de fusão invisíveis
Repriso o sabor a viagem avidamente indescritíveis
 ... respiro, não descolo
Não tem replay e não retorno
Permaneço fundida sem saída
Permaneço outra,  mais de uma que de mim, dois em um... quase assim
resultado de implantes, transplantes
Dessas peles novas em carnes velhas vermelhas e errantes
Repositório de poros e respiradouros humanos
Permaneço fodida e sangrando pensamento líquido e linfa pelos olhos insanos

Esbarro e peço perdão
E me desculpo pra que o olhar também se esbarre
Casualmente então olhos se confrontam se confortam aconchegam e acomodam
Lágrimas se somam  indissociáveis, alimentando um rio
Línguas serpenteiam e não falam por um fio
Olho para qualquer coisa no meio do caminho que não é um nem outro mas um outro terceiro
O que resulta daquele segundo único raro e passageiro
eterno como os deuses estrangeiros
Eterno aqui
Aqui mantido
Aqui pra sempre reprimido
Aqui ainda e ainda e ainda  tempo e toque
que não passa e não passará e não está mais, nunca esteve
Travas de olhares tão intricadas
Que Chaves não abrem
Que nenhuma força arromba
Que dinamites não explodem
Trevas de visão distorcida...
que não enxerga!
nem sei se permanece viva
no que me alberga

Esbarro e não sei mais o que fazer
Esbarro e você não sabe o que reter
Carregamos este estalido cármico lacônico compartilhado e mudo
Do nada que é presente, do insondável que é futuro e de qualquer coisa que é passado e quase  tudo

Aguardamos neste transito feroz
um sinal verde
que abra portas e janelas
que permita preencher de luz o dentro
enquanto transitoriamente aguarda o tempo
que nos esconde e  se esconde 
e dispara antes que se avermelhe ... verde talvez... ainda.. o sinal
o sinal de que tudo pode dar certo
um sinal... só um sinal...

Esbarro e fico e duvido
Fico  e escarro e saboreio
Encaro e defino e escancaro
Eu volto eu retorno eu volteio

Mas no instante seguinte quando me perco
É final de dia, de mês, de ano, dos tempos
Pode ser que seja um  recomeço *ou um retrocesso?)
com o sabor doce e amargo do que ficou por aqui pela língua
como memória


/08/2016
MDansa


466. Faz tempo que não anoiteço nem amanheço












I.
Faz tanto tempo que não mergulho na noite
Sem pressa
Daquele jeito espichado e comprido
Na calmaria de uma fuga sem remorso e sem desculpa

Faz tempo que não reservo um tempo pra escapar de tudo
E encontrar espaços vazios no céu noturno
De aconchego e pensamento perdido entre as estrelas

Faz tempo que não sinto que não tenho medo
Que tudo está certo e
Que tudo vai dar certo
que tudo que é errado encolheu, de repente
Como Alice ao atravessar mundos
Onde tudo sempre parece simples e pequeno e maluco

Faz tempo que não acredito no impossível
Mas escapo, e respiro ainda
e posso acreditar em alguma coisa
e de repente acredito em qualquer coisa

Faz tempo que não sossego
Que não calo
Que não falho
Que não choro
Que não olho
Que não me deixo engolir pela saudade

II.
Tudo que penso que vejo se projeta da terra ao espaço e some
Do espaço mergulha profundamente
Em crostas lácteas inconcebíveis purulentas e arrogantes
No seu íntimo molecular líquido e imaterial
Parece insano... parece irreal

Insano é o que não se alcança
Sempre será insano o que não entendem aqueles que não alcançam ... e nem ligam

O macro ou o micro indissociáveis e unos ... tanto faz qual a escala
Me perco nos mesmos caminhos sempre
O universo é redundante e continuo andando em círculos fractais
Não importa ...todo lugar é o mesmo e todo tempo é qualquer dia
E assim será
Nossa visão sempre será estreita e portanto falsa e estúpida
não precisa explicar ou me dar respostas... não vai adiantar

III.
Faz tempo que guardo este universo cíclico e sem saída trancado
Em algum lugar do tempo que é presente
Em algum espaço do tempo que parece passado
Em algum tempo-espaço que esqueço
Como meus óculos
Minhas chaves
E minhas certezas e contas
Meu coração bate tão depressa que rasgo o tecido quadridimensional
E viro pó
entupindo narinas

IV.
Faz tempo que não deixo
O velho desejo aprontar surpresas e ultrapassar certas barreiras
Faz tempo que não percebo como posso me perder em rumos inseguros e em dentições frágeis
-  bocas descalcificadas, gengivas sangrentas ogivas purulentas e dias desdentados -
Eu poderia enlouquecer entre esperas e surpresas, entre espermas e correntezas
E perdas e desprendimentos e distancias
E esse mau hálito que exala como flor morta em minha boca
Sua menta rescende e reacende o vigor das mesmas papilas e amígdalas
que agora vivem dos seus infindáveis sabores

V.
Faz tempo que não me aproximo
Que não me enrosco Que não fito perdidamente seus olhos
que não espero o nascer do sol, alaranjado, sem tempo e sem contagem regressiva
Quero voltar tudo que perdi, mas não tenho a audácia de pretender tecer os dias como uma teia de aranha!
 Aranhas tramam lindas armadilhas e capturam almas e moscas desavisadas
 Espero aqui mesmo, presa a esta teia, até o fim... por você

MDansa

20/08/2016

domingo, 17 de julho de 2016

465. no dia da minha morte

















No dia da minha morte
eu fugi
corri por campos de flores de vidro

moscas pousavam em suas pétalas
como se fossem borboletas
/moscas procuram violetas\

no dia da minha quase morte
eu fingi
que as paredes brancas
eram prados
e flores de vidro eram apenas lembranças
e os medos eram esperanças

no dia da minha quase última morte
eu me encolhi
esperando dor
a maior de todas
a que tornaria a vida insuportável

no dia dessa morte
meu corpo retinha ainda o tempo
os músculos falhavam
mas eu quase morta
não sucumbia e a dor passava

MD

sábado, 11 de junho de 2016

464.. e sorrio









porque eu vejo você e sorrio
um sorriso incontrolável
leve... na alma...
uma certeza doce
uma calma

porque eu vejo você e sorrio
e sempre que sorrio largo e profundo
é pra você
não pro mundo

É tão óbvio
meu sorriso escancarado na foto

tem sentido, direção e significado
é presente, passado,  delicado
denuncia, dá bandeira, dá recado

porque eu sorrio com uma felicidade muda
interna secreta
intensa e pra sempre
me rasgo, me inundo
sou largado, vagabundo
 

se o mundo entendesse
o meu sorriso
entenderia tudo
e o segredo estaria
exposto e transparente

como ninguém pressente????

porque vejo você e sorrio sempre
não há como esconder
não há como conter
tudo que eu sinto invade
arrebenta na marra
esfrega na cara
e se faz verdade

um frouxo e longo sorriso
vem por você
e no meu peito
brota,  brota
se espalha
e me torna feliz
escapo de ser descoberta por um triz

porque vejo você
e sorrio
e ponto.

11/06/2016

domingo, 29 de maio de 2016

463. tem dia...



Tem dia que dá uma saudade vazia...

MDansa

imagem: acervo pessoal

462. Entrementes...


Vivo entre extremos, entre vagões
O trem passa à velocidade da luz
Meus olhos estranham, ardem, se fecham

Vivo tentando entender

O mundo exclama, reclama
É onda, é revés, é chama

Delira

Entrementes enquanto respiro
a dor retorna, o mal devora
Entrementes, enquanto respiro...

Vivo entre gentes, entre vãos
me esqueiro
entre balas de canhão
entre luas e multidão

Vivo estridente

dentes frouxos dissi-dentes
mentes vagas vão fugir
infeliz-mente
meu esconderijo é bem ali

Vivo tentando me esconder
mas não dá mais pra não ser.

me exponho pra você

MDansa







sábado, 28 de maio de 2016

461. Destroços
















O dia nasceu e vou tentar ser razoável
/só desta vez\
Meu peito pesa de restos e rezas
minhas ...do mundo
Do mundo que são também minhas
E minhas que são outras
/quase não consigo distinguir\

Vou recolhendo o que foi a mim destinado

destino lado
deste tino dado
deste lado
deste nada
Desatinada

O dia já nasceu faz tempo
tentei ser razoável desde ontem e comigo mesma
e só agora
tudo deu errado
de Minas e do mundo

Deste mundo que é também  Minas
E do mundo que são também outros
dos quais eu também venho e padeço

E cada dia colho mais um pouco
do que me foi confiado

Con-fins e fado
Con-firmado
con-templado
con-ferido
con-denado

des/denhado
des/telhado
des/te fado
des/te fosso
des/troço
MDansa




imagem: Atafona, RJ - https://www.youtube.com/watch?v=cq_Q1Rq3CUo&feature=fvw

460. Um olhar no meu coração












Meu coração é nuvem tardia
de inesperada taquicardia
que com frieza e esquecimento
Reinventa o sentimento
ressente cada momento
e para então de bater

Meu coração rebelde revela
Empolgado se acautela
Tem medo e se atropela

renova seu  juramento
desiste a todo tormento
e para então de morrer


Meu coração insistente
Indomável e indolente

tão difícil de prever
Mas se me olhar de soslaio
A cada olhar eu desmaio
A cada olhar... eu me traio
Porque te olhar é morrer


MDansa

459. Travas quebradas

Quem no escuro da noite
Se reconhece?
No momento em que ensurdecem uns sentidos
E afloram outros mais críticos
Sou outro

Quem na calada da noite
Se percebe?
No momento em que sentidos despertam
Música, estrelas, acordes
Outro me domina

Quem na hora mais imprópria
Se esquece?
No momento em que os monstros povoam
Ruas, estrelas, flores e vultos
Outro me aparece

Esta é a hora
Quando silencio a vida mundana
-  aquela vida tão óbvia -
E deixo aflorar a loucura
Porventura
Desventura
Incensura
Clausura
Criatura
Que habita
aqui em silêncio
Esperando a hora
Certa
Pra destravar
O mundo que tento ocultar

Quem na madrugada
Se encontra?
No momento em que finalmente
É a hora e o lugar de confessar

Não há fechaduras
As chaves foram perdidas
Cadeados arrombados
Tudo se escancara e se mostra
No momento em que os segredos se revelam
E as máscaras caem

É tão libertador
É tão bom ser verdade
É tão intenso ser completo
É tão correto ser todo o bem e todo o mal
Liberto!

O mundo me dá e me toma
O mundo me destrava e me doma
E eu sigo oscilando entre prisões e devaneios


MDansa

458. Todo rumo

Cada rumo
Runa
Notas
Toda imobilidade, cotas
Olhos perdidos
Elos rompidos
Começam em marchas, arrancadas
trovas

Vocês vêm ou vão?
Vocês ficam ou decolam comigo?

Toda liberdade é loucura
Um pouco mais um pouco menos
Mas sempre e verdade
E cada verdade vertente
Enxergo tudo sob o olhar da lente

Cada mundo
Mudo
Tudo
Todo instante
Toda instabilidade
Idade
morte
Olhos vidrados
Elos perdidos
São forças, engrenagens, gigantes

 Vocês concordam e apoiam?
Vocês surtam ou não... comigo?

Toda impunidade é aventura
Sem mais nem menos
sempre liberdade
E toda liberdade é presente
Enxergo tudo sob um olhar diferente

Mas meu passo é pago
É caro e
os juros são exorbitantes
sigo devendo obstante....



MDansa

457. A menina nua

E aquela menina nua me deu a mão
Quis saber o que eu achava
Escutou todas as histórias
As que eu contei
E as que eu calei
Fez um castelo
Me chamou de rei
Se fez súdita e rainha
E me entregou coroa e cetro

Aquela menina nua me deu a mão
Comentou a maciez da minha
Escutou meus desejos ardentes e grosseiros
Abriu suas portas:
As que bati e as que fechei.
Fez uma igreja
Me chamou de deus
Se fez adoradora e deusa
E me entregou o céu e o inferno

Aquela menina que conheci nua
Abriu todos os caminhos
Rotas que fui negando e bloqueando
Como ruas interrompidas
Onde não desfilam vidas

Aquela menina pediu e neguei
Aquela menina fugiu e eu deixei

Aquela menina sorriu e eu chorei

Nunca mais serei de novo eu
Desde que aquela menina nua me esqueceu


MDansa

domingo, 1 de maio de 2016

456. Suas

Nossas noites são curtas
Suas ações são astutas
Suas mãos são afoitas
nossas vozes são surdas
nossas águas são turvas
Sua alma me açoita

Suas tristezas são graves
Suas ausências são chaves
Suas dores charadas
Suas tardes soturnas
Suas viagens noturnas
E as meninas caladas

Suas preces são parcas
Suas borboletas, monarcas
Suas faces estão rubras
Suas palavras fecundas
Suas manchas profundas
Todas as cores são marcas

Seus sorrisos são charadas
Seus gritos são grutas
Suas grutas violadas
Seus pecados são lentes
Do seu mundo indecente
e sua prece profanada

Uma ideologia exilada
Um futuro delirante
Uma  passada atrasada
um coração  vacilante
um destino itinerante
uma liberdade usurpada

Se meus sentidos forem ágeis
Minhas certezas forem frágeis
E o meu amor eu declare
Há de chegar o momento
Que sem causar sofrimento
nosso segredo escancare

MDansa

imagem: http://www.bioenciclopedia.com/mariposa-monarca/

455.Entre e fique à vontade

Entre e fique à vontade
Nesta casa que é sua
Abra as janelas
Revire os armários
Descubra a verdade
Amassada na gaveta de baixo

Introduza loucura no papel de seda

Entre, se cubra,
Proteja-se do frio
E então, ligue os ventos e os redemoinhos
Faça circular ares estagnados
E ideias obtusas
Escondidas atrás da porta

Introduza loucura nessa casa torta

Entre e encubra
a profunda tristeza
E os dramas
Com flores que brotam cedo na varanda
Aproveite para regá-las
E sorrir para elas

Introduza loucura e febre amarela

Entre e disfarce o desejo
se proteja do meu beijo
E siga sem pensar
Só mantenha as luzes à meia
estenda os fios de seda
Que tecemos tempo no ar.

E encontre loucura no olhar


MDansa

quarta-feira, 27 de abril de 2016

454. Tudo preso

Tenho aqui presos tantos sentimentos
Que foram poesia e se perderam
Que ao desabrocharem, alguém colheu
Antes que florescesse

Tenho aqui na garganta tantos gritos
Que vieram de dentro pra fora
E amordaçaram
Antes que fugissem

São tantas histórias
São tantos suspiros
São delícias e martírios
Dúvidas e estribilhos

Tem aquela noite e os corpos
Tem aquela paisagem e os olhos
Tem aquela lembrança tão verde
Tem aquela sensação de êxtase

Tudo devidamente autorizado
Permaneceu no peito
E quer explodir

MDansa

24/04/2015

segunda-feira, 25 de abril de 2016

453. Lua

Tem uma lua linda aqui!
Ela veio agora
surgiu entre os prédios
e inesperadamente
decorou a  noite.
Uma lindeza!
Eu bebo nela minhas lembranças
minhas vidas
algumas óbvias
outras nem tanto
Tonta me liberto
e volto a te amar!

MDansa

terça-feira, 19 de abril de 2016

452. razões (ainda agora)

E no escuro da noite, a permissão
o fogo, a leveza, a sedução
Reflexos na sombra
e tanta luz
que ainda agora restam réstias
iluminando a noite nos meus olhos

Desenhos na pele: um sol
na madrugada morna
um tremor diáfano
uma transpiração

E mesmo agora
O coração sobressaltado não para de bater
as borboletas saltam do estômago
- e voam para o papel em direção ao dia ... poesia...
e não se tem notícia
de razões

No escuro da noite, só há uma razão
indesculpável, indecifrável, soberana
a incontrolável liberdade
de amar.

MDansa


O meu olhar é nítido como um girassol (Alberto Caeiro)

II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

____________________________________

PS. Alberto Caeiro é um dos heterônimos de Fernando Pessoa

segunda-feira, 18 de abril de 2016

451. Pra não me perder

Eu corro
não paro pra não pensar
não posso pensar pra não me perder

Não paro
Não tento entender
Não posso entender pra não me perder

Não tento
Não entendo nada
Só corro pra tentar não te perder

MDansa

domingo, 17 de abril de 2016

segunda-feira, 11 de abril de 2016

449. colagem

a paisagem me cola
estica e adere
tirando bolhas de mim

a paisagem me espeta flores
nos cabelos e entre os dedos
nascentes águas frescas me saciam
algumas cores tingem tudo
sem rolos nem pincéis
somente por difusão
misturas e absorção passiva
entre paisagens
entre miragens
entre tons de verde e pássaros e nuvens

cordilheiras fazem sombra no céu
como se fossem véus
abro o peito à paisagem
e ela vem correndo me habitar
Sinto sensações inexplicáveis
que me desintegram e integram
a paisagem me cola na cara e no peito
feito mergulho em água fria
feito voo em ares altos
feito alegria

MDansa
11/04/2016

domingo, 14 de fevereiro de 2016

448.borb

Na palma da mão ela agoniza
era tão pouca esperança
era tão pouca a vida

Na palma da mão
ao sol que suas asas resseca
as gotas evaporam
as asas se soltam

Na palma da mão prisioneira
tão longe do chão tonteira
a borboleta se demora
quase morta
agora quase viva

suas cores mais pálidas
suas asas feridas

um vento e um medo
se prende ao meu dedo

até que está pronta
e cambaleando voa
ainda tonta

MDansa


447. me perdi

Me perdi em tantos versos
páginas rabiscadas
em cadernos aleatórios
Não tenho ideia do que já passei a limpo
e do que tenho que jogar fora

Me perdi nas emoções
que sempre retornam
nas esperanças
que sempre me afligem
Me perdi em recaídas
alcoólicas e ressacas morais

Não há uma única linha
que eu possa seguir
E eu só quero seguir em frente
sem olhar pra trás

Me perdi em querer ir em frente
e me ver novamente nos seus olhos

Me perdi em não querer
e me deixar seduzir

Me perdi, me perdi

MDansa

sábado, 13 de fevereiro de 2016

446. chances

Milhões de chances de mudar o mundo
dentro e fora da crosta
que recobre milhões de almas.

Milhões de chances de fazer diferente
de encarar de frente
novos e cruciais desafios
e salvar o planeta

Em nome dos pais
e dos filhos
brandamos nossas bandeiras
erguemos nossas armas
alteramos nossas regras

Em nome de Deus
violamos solos sagrados
arames farpados
liberdades conquistadas

Em nome da paz
enterramos punhais
apedrejamos e violentamos
anjos indefesos
e demônios necessários

Todos os nomes pelos quais lutamos
nos desconhecem
nos aborrecem
debocham

Cada qual embuído
de dúvidas que pousam de certezas
E de certezas que no fundo
são só dúvidas.

MDansa


445. sensação

A sensação de construir
casas sem sustentação
persiste nesta ousadia
nesta heresia quase.

MDansa

444.Quem sou eu pra ser poeta?

Quem sou eu pra ser poeta?
as palavras me doem
raramente escorregam
são demoradas, pesadas
Quem sou eu pra me apresentar como poeta?

Quando meu dedo em riste
que aprendeu a apontar
se vira pra mim
toca repetidamente e se ri.

Quem sou eu pra me julgar
ou me intitular profeta
Quem sou eu pra prever o fim de tudo?

Eu que nunca tive soluções
nem rimas
nem discursos
nem conselhos
nem sonhos nem sinais
Sou ré, todo dia
Sou meu juiz e meu executor

Tudo estava bem aqui debaixo do meu nariz
mas eu não quis olhar
Embriagada de vinho barato
entregue à solidão
me distancio cada vez mais

Quero apenas velar meu corpo
procurando as marcas
que ganhei e outras
que sempre estiveram lá

MDansa

443. Brotamentos

Pequenos pedaços de mim
pequenos nacos
desprendidos
pequenas partes que brotaram
pequenos brotos
que o utero expulsa
e o vento leva
e a vida molda
meus pedaços
meus brotos
tão longe crescem
cresceram
pegaram carona
em sopros de vento
e fugiram pra se fincarem
em outras terras
pra se molharem
em novas chuvas
pra crescerem
como novas mudas
novas invasões
Evoluções!

442. Arqueologia

Cavo
cavo
cavo
Revolvo cavo túneis
e túmulos

Revolvo
Terra pedra não
acho água
acho mágoa

Cavo
cava veia meia
cavo pulsa
terra alheia

Cavo cavo
tiro a teia
varro cavo varro
e movo
só areia.


MDansa


441. Fotografias


Instantâneo da imagem congelada
ela fala
discursa
modelo vivo ou morto
carregado de sentimento
história ou forma
expressões que carregam
criações
emoções
intenções
- nada é desprovido de sentido.

o significado recolho no olhar
ou sequestro ao retratar.

Fotografias são instantes
em forma de novelo
onde guardo caminhos contos de fadas
que desenrolo
quando me perco
pra reencontrar o fio da meada

Fotografias são errantes
desaparecem deixando sombra
saudades
amores desfeitos
tempo rejeitos beijos

Fotografias enquadram imagens cores cheiros sentimentos
tempo...
e volta tudo
Revivo
Reviro
Retiro
tesouros e monstros
de dentro de mim.

MDansa

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Ecdise (Kátia Fernandes)

Polegada a polegada,
Contorcendo sofregamente
Cada músculo da alma,
Empurro para fora
Meu novo eu,
Que é novo,
Mas sou eu
Desenterrada de mim.
Uma nova pele recobre-me
E a velha couraça,
Desgrudada,
Para a qual agora olho,
Dá-me orgulho
Por tê-la usado
Sem nunca a ter maquiado
Enquanto a tive.
Sou-lhe grata
E peço-lhe desculpas
Se por ventura
Abusei-lhe a resiliência;
Se levei-a além
De seu tempo de existência.
Mudar, a nós,
Seres humanos,
Não é como para as borboletas,
Que atendem os chamados das flores!
A nós, seres cientes,
Tempos de crise
São os tempos de catarse!
A nós, seres pensantes,
Foi dado o dom de manipular o tempo
Sonegamos a sorte
E adiamos o processo!
Muitos de nós
Nunca se entregaram a uma ecdise
E vivem a clausura
Do que não mais são!
Pois parto-me aos retalhos
E emirjo dos trapos
Em busca de minhas novas asas
Nem que sejam de mariposas!
Vou responder ao clamor das flores,
Mesmo que estas já estejam murchas...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

440. Raio de sol

Tá vendo esta pedra?
E a água que escorre sobre ela, achando que
entende o fluxo?
Ela não conhece os poros, nem o éter
o caminho mais longo
por onde algumas, só algumas águas rolam.

Tá vendo esta folha que é leve?
levada pelo vento, nem percebe a água
nem todo o movimento de vida que
também empurra ou serve de barco e navega...

Tá vendo este raio de sol?
incide na água, na folha, no vento, na pedra
e ela... só ela brilha.

09/02/2016