Discorro hoje no divã
Sobre uma suposta completude
...minha totalidade
retalhada
Formada de cacos irregulares
espalhados pela sala
E pedaços de espelho
estilhaçado
Meus anos de azar....
Discorro plenamente
a plenos pulmões
sem tomar fôlego
Com o coração em chamas e alguma coragem
E água quente
Escorrendo dos olhos
Sem controle
Respiro fundo e me confundo
Discorro compulsivamente
embriagada e entupida
Correndo pra jogar tudo pra fora
Meus prisioneiros precisam quebrar as grades
Desta prisão
ganhar liberdade condicional
por bom comportamento
- cativos calados, controlados, amordaçados
reprimidos, contidos...
antes que desistam da fuga
querem olhar novamente o céu
tentar novamente a porta da frente
rasgando-se novamente pra deixar entrar
brisa e sol
Falta pouco....
Discorro pra você esta fábula de uma humanidade vulgar
Formada de venenos e amores erros emoções
perdas danos irreversíveis
tão comuns
tão comum.... sou tão comum
Tento recuperar
O que de mim restou depois de tudo
alguma coisa que ainda valha a pena
O que posso esperar dos retalhos
Com os quais construo minha última colcha
ou mortalha
Discorro sob seus olhos atentos
Que me guiam cuidadosamente
Em mim
Dentro e fundo
(está tão escuro!)
Ainda acredito em saídas
porque acredito em você
porque creio que você acredita em mim
MDansa
imagem: Di Cavalcanti: 'Mulher no Divã', de 1932