quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

359. Adeus


Não tenho nada pra lhe dizer

A não ser adeus...

Você não tem mais nada pra me mostrar

A não ser um sorriso  forçado, meio sem graça

De quem já disse adeus há muito tempo.

MDansa

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Guardanapos de Papel - Milton Nascimento

Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas
Trombetas e sempre aparecem quando
Menos aguardados, guardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados

Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares, seus pares
E convivem com fantasmas
Multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores

Suas ilusões são repartidas, partidas, partidas
Entre mortos e feridas, feridas, feridas
Mas resistem com palavras confundidas
Fundidas, fundidas
Ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas

Não desejam glorias nem medalhas, medalhas, medalhas
Se contentam com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos dispersos, dispersos
Obcecados pela busca de tesouros submersos

Fazem quatrocentos mil projetos, projetos, projetos,
que jamais são alcançados, cansados, cansados
nada disso importa enquanto eles escrevem, escrevem, escrevem
o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem

Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas
E outras e outras
Cujo brilho sem barulho
Veste suas caudas tortas

Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
Confusas, em delgados guardanapos
Feito moscas inconclusas

Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram

Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro
Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
Depois voltar pro Rio de Janeiro

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358. Catarse



Discorro hoje no divã
Sobre uma suposta completude
...minha totalidade
retalhada
Formada de cacos irregulares 
espalhados pela sala
E pedaços de espelho
estilhaçado
Meus anos de azar....

Discorro plenamente
a plenos pulmões
sem tomar fôlego
Com o coração em chamas e alguma coragem
E água quente
Escorrendo dos olhos
Sem controle

Respiro fundo e me confundo
Discorro compulsivamente
embriagada e entupida
Correndo pra jogar tudo pra fora
Meus prisioneiros precisam quebrar as grades
Desta prisão
ganhar liberdade condicional
por bom comportamento
- cativos calados,  controlados, amordaçados
reprimidos, contidos...
antes que desistam da fuga
querem olhar novamente o céu
tentar novamente a porta da frente
rasgando-se novamente pra deixar entrar
brisa e sol
Falta pouco....

Discorro pra você esta fábula de uma humanidade vulgar
Formada de venenos e amores  erros  emoções
perdas danos irreversíveis
tão comuns
tão comum....  sou tão comum
Tento recuperar
O que de mim restou depois de tudo
alguma coisa que ainda valha a pena
O que posso esperar dos retalhos
Com os quais construo minha última colcha 
ou mortalha

Discorro sob seus olhos atentos
Que me guiam cuidadosamente
Em mim
Dentro e fundo
(está tão escuro!)

Ainda acredito em saídas
porque acredito em você
porque creio que você acredita em mim

 MDansa

imagem: Di Cavalcanti:  'Mulher no Divã', de 1932

357. Mula (sem cabeça)



Alimento leões
Eles me cativam
E logo
me arrancam a cabeça:

Mula!



MDansa



 imagem:http://www.literal.com.br/acervodoportal/poema-caipira-historia-caipira-da-mula-sem-cabeca-16444/

356. O universo não é seu!



Mergulho...
Nado...
Remexo ....
Corto ondas violentas
Toco em areias brilhantes 
Movo estrelas do mar
- abalo sísmico  destruição desequilíbrio -
Corais coloridos se fingem de mortos
ou não ...
apenas habitam outro tempo
(ritmo relatividade angulosidade)

Agora mude de lugar
Olhe de novo e sinta...
A sociedade calcária  pulsante
que você julgava imóvel
apenas reflete outros valores verdades metas
além da sua percepção
Além de cores
Lentas lentas lentas quase eternas
Recifes protetores e silentes como pedras,
habitam este mundo, muito além do nosso entendimento

E nós... seres limitados e arrogantes
Ignoramos ou destruímos
Todas as outras dimensões
Todas as outras verdades
que não são as nossas

MDansa

imagem: http://www.ninha.bio.br/biologia/corais2.html

355. Não deu certo



Abruptamente
Me lanço
De repente
Me encolho

Atordoada
Amedrontada
ultrapasso as nuvens 

Fracasso

MDansa

imagem: http://grazaza.blogspot.com.br/2010/05/aula-de-voo.html

354. Enquanto for possível



Enquanto for possível
E permitido
Vamos seguindo
Em pé, segurando com força a vela
(pra não adernar)
Sem rumo certo
Respirando maresia e o por do sol a bombordo

MDansa


imagem: http://brunojpteixeira.blogspot.com.br/2011/03/imagens-da-natureza-por-do-sol.html