sexta-feira, 25 de abril de 2014

Último segredo


Em tuas pálpebras cerradas apenas pausa.

Meu monólogo silencioso te busca.
Eis que o brilho tênue dos teus olhos ressurge
Apagando a beleza de todas as palavras.

Feito flecha franzina oculta sua força
Enquanto agilidade e rapidez atingem alvos.
É assim que assisto a beleza de tua alma
derramar a poesia indizível de teu mundo, já, tão distante.

Nestas terras marinais por onde viver,
Não posso imaginar como convives
Só com sonhos e um punhado de sílabas....
Advinho porém a grandeza do segredo que ora descobres,
velando o teu silêncio em meio aos véus com que te cobres,
Alcanço um saber que ainda não sei.
Vida frágil, vida dura, vida breve
ao partir que se vá ainda mais leve.
E o teu sono que e a tua vida no momento,
Não acabe e te poupe dos tormentos.
Que te guarde o sentido do segredo:
pois mais vale não ter vida que ter medo.
 
Cláudia Diniz


segunda-feira, 21 de abril de 2014

381. De onde você menos espera...



O mundo me surpreende
Flores brotam em asfaltos e rochas
Florestas murcham ressecadas devastadas ressentidas
Invertem-se os valores
A vida nasce onde há morte
O tempo pára num trem lotado em movimento
Uma flor é oferecida por mães de filhos mortos
Um sorriso ilumina o seu olhar bandido
Ingênuo
Quase inocente
Presente...

Apesar do sangue nas mãos
E do ódio nas veias
Você acredita em acordos, valores, pactos

Finalmente a palavra do homem vale
O homem de bem surge do gueto
Finalmente a fé no homem rompe meu peito
Como flor no deserto
De onde vem a semente de onde a flor brota?
De onde vem a força que faz a flor crescer?

É isso, flores podem destruir o asfalto, o cimento.
Redesenhar o concreto e pintá-lo de verde
Flores podem espirrar de sprays de tinta
Grafites entrincheirados
Rachando os muros sombrios
de maneira ilegal
Muros pintados com cal
O mesmo cal que clareia túmulos
Os mortos se levantam
e reverenciam o jardim

Algum dia você prestará atenção
Olhará ao seu redor, 
vasculhará lugares inesperados
Buscará a verdade extraviada
E descobrirá de onde vem esta fé
no homem...

MDansa

imagem:
http://naipeskate.blogspot.com.br/2010/09/trampo-na-1-bienal-internacional.html

sexta-feira, 18 de abril de 2014

380. Fim de um começo



O dia nasce
Enfim raiam obrigações e medos
Tudo que se passou
Guardo na gaveta
Esperando a próxima noite insone.
O ímpeto agora descansa
As palavras dormem
O silêncio avança
Em direção ao céu
Quietinho dá lugar aos pássaros que já cantam
Na terra acordam homens de bem
Enquanto suas mulheres cozinham....

MDansa

379. Catatonia noturna



Ando na ponta dos pés
Como um fantasma
Vigiando seu sono leve
Assustada tensa atenta
-  Você não deve acordar.

Ando pisando devagar
E silenciosamente
Pra escapar do seu juízo
Da sua palavra reticente
Inquisidora...
Impertinente...
Não sei...

Preciso ficar sozinha
Sinto medo
Por favor, não acorde
não repare meu cabelo assanhado
não encare meus olhos vermelhos
Minha respiração quase incipiente...
Meus suores noturnos e indecentes.

Eu só quero passar em vão
esta noite, somente esta noite
Queria ficar esquecida
Amarelecida como papel velho dobrado
No fundo da caixa de madeira
Que guarda segredos
Dentro do meu mundo
Dentro do meu túmulo
Enquanto você dorme

Por favor, não abra os olhos...
Seus olhos são como luzes
Iluminando meu esconderijo secreto
Questionando
Reprovando
Bagunçando

Noites de fantasmas nus
Catatonia insone noturna
Paralisia cerebral e vital
Inevital (vel)
intencional

Estou imóvel de medo e silêncio
Dorme, por favor, dorme...
e me deixa aqui
esquecida, quietinha
sem questionar
Na hora certa vou me recolher
Na hora certa vou pra perto de você.

MDansa

sábado, 12 de abril de 2014

378. Amanhecer de outono



Amanhece escuro e arrastado agora
Demoro a reconhecer o dia chegando
Por trás de cortinas entreabertas e janelas
Travadas...
Meus olhos se demoram um bocado na paisagem
só pra ter certeza do que vejo                  (o mundo é real?)
só pra ter certeza da pintura em aquarela
feita por pincéis de seda chinesa
só pra confirmar o que a manhã fez surgir
no meu instantâneo emoldurado de pálpebras.

Amanhece meio amarelecido por tintas vintages
(como dentes velhos sorrindo lá fora) 
De onde veio essa cor que disfarça a rua?
/surpresa que me enche o peito e me alegra/

Amanhece abandonado
Com as ruas vazias
As luzes apagadas enganadas
por fótons de outra fonte eletromagnética
Quase eterna, quase etérea, quase venérea
Bêbados largados, moribundos, vomitados, estragados
Cachorros dormindo abandonados nas ruas,
Agasalhados em muros alheios.
Nuvens em bando
Atordoando tentativas de novos raios (pra lá de solares) tocarem o chão
Manchando a força do azul celeste
Que não acontece
não amanhece
Não azulece
Fica tudo assim meio cor de burro quando foge
É belo me deleito... espero...

O silêncio ainda ecoa
Vozes peraltas ainda sossegam.
Até quando crianças dormirão?
Os motores estão mortos, descansam, calados
mas só por um curto momento vazio,
Meus ouvidos gozam do silêncio, descanso
Ouço apenas e somente orações entoadas como refrão
Levantam-se da memória da infância
da casa assombrada por tantas saudades
( um dia escreverei sobre ela)
Ouço algum pássaro  algum morcego que avoa
Ruídos de fundo sossegam
limpam o background do mundo
sonegam meus cansaços ...
o mundo se mantém mudo

O asfalto resfriado pela brisa iniciará seu movimento oculto
Dilatando-se lentamente
com o calor que lhe penetra como a uma virgem
procurando espaços pra ficar
/defloração matutina outonal/

Como também  dilata-se lentamente
a menina dos meus olhos escuros
Quando te veem
O seu calor  dos olhos me aquece os poros e os espaços
Procurando brechas pra borbulhar
Fervem em mim ossos e  carnes
Derreto...
Deserto do meu dia e de tudo que não é manhã
para continuar...

Amanhece fresquinho
Intuindo este outono que mal começou
apenas ameaçou, vem vindo, tomando seu lugar...
Não existem folhas secas de multicores pardas
Como naquelas terras coloridas
/Colorado/
que ainda decoram minhas lembranças
marcando estações
refrescam meu quarto escuro
São murais de retratos pintados
e eu reconheço o ocre, verde, branco e cores
e todas que chegarão quando for o tempo  marcado
manchadas, marcadas, marcadas, marcas, marca, marcas, cicatrizes...

Aqui, entretanto, a manhã de outono tem cheiro e sombra
Tem movimento vagaroso, que se alastra...
Não é como o verão suntuoso,
festivo, ensolarado, depravado e fugaz
É sereno, tranquilo, seguro, monocromático
Intenso, violento  mordaz

Se a vida passasse assim...
/sem verões nem invernos/
Se a vida passasse sempre assim...
/como um amanhecer de outono/
eu amanheceria
eu tardaria
eu anoiteceria
sem dor
eu te olharia
com olhos de árvore
e sentidos de flor
imóvel sem mover pestanas nem  pétalas
/pra não perder nenhum gesto/
e balançaria meus galhos favoritos
e minhas melhores folhas ao vento
só pra te fazer cócegas
só pra trazer pra perto
nesse abraço arbóreo que cabe tão justo em mim
e levar pra longe a saudade
que já não me cabe mais

Atenção: Doa-se uma tristeza incurável
Num dia lindo de outono
Por que preciso do espaço aqui dentro
pra  amanhecer. 

MDansa

quinta-feira, 10 de abril de 2014

377. Minha viagem em você


Minha boca entreaberta estremece...
Pressente a aproximação do seu gosto
Minha boca aguarda seu sabor que vem vindo, vem vindo...

Minha boca em cuia suplica 
que sua água brote e resolva minha sede
e oferece  como presente,  agradecida,
serpente laço afago língua e esculacho
Meus sensores atentos e a postos
capturam o calor que você exala
O perfume que evapora da pele quente toma o quarto
Como névoa entorpecente inebriante envolvente
Na contramão, sua boca entreaberta
exige afoita a minha
enquanto fecha os olhos, suspira meu ar
meu tesão pretensão impaciência fúria
e tudo o mais que compõem meu ar excretado
mistura luxúria....
Compasso contido
esperando por minha água
e ela brota jorrando do meu desejo
...meu beijo 

Sinto mal súbito desmaio
momento exato do encontro
Ansiado
toque guardado roubado
Respiro fundo pra não morrer
ensaio...
Fecho os olhos pra manter suspensa
Aquela única e preciosa fração de tempo
Em que capturo você
e reconheço a morte
Experimentando sua nudez
Não suporto mais a espera, a contenção:
Me lanço e nossos corpos guerreiam
Violento embate de quereres e prazeres

Desfaleço
tropeço 
adoeço ...
Seu estúpido olhar de desejo
-como tantos outros que recusei -
é o que me dilacera
Me rasga, me perfura
Me encolhe, me engole, me esmaga
Me entende, me ensina, me pretende
Me remete
E vai no ponto onde eu e você  libertamos um grito
Canto de notas proibidas navegam nosso sangue
como navios, escunas, veleiros à deriva
Barcos que adentram nossos portos
Fundeando-se em nossa carne crua
com ancoras que se agarram no coração
provocando despolarizações sucessivas
incontroláveis 

Esta viagem parece alucinação
Mas não é...
É só pão que me alimenta
É circo que me lança de foguete
ao lugar onde você esconde  segredos
por trás de picadeiros arenas lonas
muito acima de quaisquer mágicas e alegrias
Só você alegra o dia...
Parto e chego repetidas vezes
Caminho procurando chegadas
mas a jornada é incerta 
como o clima o tempo
os ventos as tempestades as catástrofes
Suas águas (calmas ou revoltas) enfim...
me encharcam, 
banham a memória e lembro do caminho
Retomo confiante minha viagem por você...
Até o dia, em que meu barco finalmente naufragar
E as lembranças forem esquecidas num baú gigante
que repousa no lugar mais quieto frio e profundo
do meu mar

MDansa



quarta-feira, 9 de abril de 2014

376. superando medos bobos que são lobos VI

Agora dou mais um passo
O próximo passo é quebrar vidraças
Que, como redomas,
Me protegem do calor e dos riscos

Enfim me permito estilhaçar os vidros
... ser livre
Não, não voltarei atrás
Não quero voltar atrás
mesmo que cacos de vitrais afiados e pontiagudos
me cortem e eu sinta dor
Mesmo que eu sofra tanto que enlouqueça e enfraqueça
Mesmo que meus pés em chamas teimem passos incontáveis incontestáveis 
que feridas infeccionadas pulsem febris, ardendo
Por desejos inconfessáveis
Que ainda me chamam....
Por tudo o mais que brotar à luz desse sol invasivo impassivo...

A rota que traçei pra escapar é definitiva
Não, não volto mais....

MDansa

375. superando medos bobos que são lobos V

Minha janela de vidro tornou-se clara e receptiva agora
Posso observar com olhos de criança e cientista e poeta
realidades renegadas ignoradas resgatadas escondidas
mundos em quebra-cabeças
métodos que revelam padrões ou destroem
perguntas que ninguém fez
respostas que ninguém conhece
me chegam ao cérebro
e me fazem um pouco deus(a)
entendo ...
brincadeiras trotes flores segredos
Sorvo por canudos de felicidade
visões que antecipam o que estava por vir
mas ninguém viu
premonições que são presentes intuitivos de um cérebro inexplorado
vivo, apaixonado, cético, atrapalhado

meus ângulos se alternam
sou várias
pra entender mais um pouco do mundo que escorre pelo vidro

Minhas janelas não voltarão a se fechar

MDansa

374. superando medos bobos que são lobos IV

O mundo, enfim, escorregou pelo vidro  líquido
da janela
ele brilhava ali... meio engolido, meio refletido
temor,  pavor,  reticência e impulso me abalaram
Quis correr pra recolher nova e violentamente aquele toque da luz
redescobrir a infinidade de opções que raiam
da palheta de cores que a luz na minha mão arquiteta
Meus olhos sentem e transformam
tons de cores atordoantes (indecentes)
até chegar ao negro (definitivo  violento brutal)
passando pelos pastéis (inocentes) 
e muito mais...

(meus olhos se perdem no espectro visível e imaginam o invisível e ali também se perdem)
Do arco-íris
nuances toques e brilhos inesperados 
infinidade de quadros, paisagens e olhares
Beleza em formas reveladas iluminadas
Claridade.
que ficou calada e agora grita

MDansa

373. superando medos bobos que são lobos III

O mundo mudou rápido 
como um corpo adolescente
como uma lagarta em final de diapausa 
rasgando enfim as peles e os sexos
Enquanto eu escondida da tempestade
me aquietava num silêncio atento
- reclusão -
Temendo que trovões ensurdecedores
parassem meu coração
Temendo  abalos do mundo que sacodem tudo
e viram de ponta a cabeça
certezas morcegas que já não existem mais
Temendo raios que me fritam miolos
e explodem em quilovolts, eVs, gigawatts, kcals, BTUs,
meu coração
(eu não aguentaria isso tudo)

Como medir a energia do meu medo?

Certo dia...
           
(I needed to break out my routine so borning... while there was still time.)

,,, limpei a poeira opaca do vidro que escorria
pela espera infindável pelo tempo
e olhei...

MDansa

372. superando medos bobos que são lobos II

Passaram-se muitos anos, então...
As estações se repetiram
marcando ciclos de vida e morte
E em minhas janelas lacradas
Cresceram liquens que cobriram
também batentes e capachos

Dobradiças oxidaram
Madeiras apodreceram
Portas empenaram 
Vidros esfumaçaram
Escorreram  foscos
Deformando o que parecia tão sólido
como as verdades e os dias ignorados
que na verdade são líquidos
e se vão....

MDansa

371. superando medos bobos que são lobos I



Com medo da chuva
Tranquei minha casa
Deslizei as cortinas
E nunca mais vi o sol


MDansa