sábado, 8 de outubro de 2016

466. Faz tempo que não anoiteço nem amanheço












I.
Faz tanto tempo que não mergulho na noite
Sem pressa
Daquele jeito espichado e comprido
Na calmaria de uma fuga sem remorso e sem desculpa

Faz tempo que não reservo um tempo pra escapar de tudo
E encontrar espaços vazios no céu noturno
De aconchego e pensamento perdido entre as estrelas

Faz tempo que não sinto que não tenho medo
Que tudo está certo e
Que tudo vai dar certo
que tudo que é errado encolheu, de repente
Como Alice ao atravessar mundos
Onde tudo sempre parece simples e pequeno e maluco

Faz tempo que não acredito no impossível
Mas escapo, e respiro ainda
e posso acreditar em alguma coisa
e de repente acredito em qualquer coisa

Faz tempo que não sossego
Que não calo
Que não falho
Que não choro
Que não olho
Que não me deixo engolir pela saudade

II.
Tudo que penso que vejo se projeta da terra ao espaço e some
Do espaço mergulha profundamente
Em crostas lácteas inconcebíveis purulentas e arrogantes
No seu íntimo molecular líquido e imaterial
Parece insano... parece irreal

Insano é o que não se alcança
Sempre será insano o que não entendem aqueles que não alcançam ... e nem ligam

O macro ou o micro indissociáveis e unos ... tanto faz qual a escala
Me perco nos mesmos caminhos sempre
O universo é redundante e continuo andando em círculos fractais
Não importa ...todo lugar é o mesmo e todo tempo é qualquer dia
E assim será
Nossa visão sempre será estreita e portanto falsa e estúpida
não precisa explicar ou me dar respostas... não vai adiantar

III.
Faz tempo que guardo este universo cíclico e sem saída trancado
Em algum lugar do tempo que é presente
Em algum espaço do tempo que parece passado
Em algum tempo-espaço que esqueço
Como meus óculos
Minhas chaves
E minhas certezas e contas
Meu coração bate tão depressa que rasgo o tecido quadridimensional
E viro pó
entupindo narinas

IV.
Faz tempo que não deixo
O velho desejo aprontar surpresas e ultrapassar certas barreiras
Faz tempo que não percebo como posso me perder em rumos inseguros e em dentições frágeis
-  bocas descalcificadas, gengivas sangrentas ogivas purulentas e dias desdentados -
Eu poderia enlouquecer entre esperas e surpresas, entre espermas e correntezas
E perdas e desprendimentos e distancias
E esse mau hálito que exala como flor morta em minha boca
Sua menta rescende e reacende o vigor das mesmas papilas e amígdalas
que agora vivem dos seus infindáveis sabores

V.
Faz tempo que não me aproximo
Que não me enrosco Que não fito perdidamente seus olhos
que não espero o nascer do sol, alaranjado, sem tempo e sem contagem regressiva
Quero voltar tudo que perdi, mas não tenho a audácia de pretender tecer os dias como uma teia de aranha!
 Aranhas tramam lindas armadilhas e capturam almas e moscas desavisadas
 Espero aqui mesmo, presa a esta teia, até o fim... por você

MDansa

20/08/2016

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