domingo, 9 de outubro de 2016

468. Águas de uma pequena morte

I.
Molho sua terra como quem rega
O chão que promete
a flor de lótus mais cara
suas pétalas seus botões, joia rara

Uma luz surge entre nossas pernas
é o nascer de um sol entre quimeras
Ilumina caminhos carinhos e conduz
Umedece pele pelo águas ..a luz

II.
Tanto sol e tanto amar... alma repleta
olhos fechados  boca entreaberta
uma voz, um gemido, um alerta
uma  língua que provoca  posto que é viva
um desejo que escorre, corpo que avisa
uma dor que trafega entre o afago e o tapa
tudo desperta flui segue o fluxo... escapa

Já não sei onde é nascente onde é foz
Procurando o começo
ouço atenta e sigo a sua voz

III.
Retorno ao ponto de partida carrego a água
Colhida da cacimba mucosa e rosea em que naufraga
por toda a sede que resseca indecorosa
Imploro o vigor da água densa e caudalosa
Rio de leito raso e margem pedregosa
Que corre sempre e mais querendo quando o sol arde
Eu sempre quis você... não...não é tão tarde...

IV.
Umedeço a paisagem tridimensional aberta
Aqui e lá, ali e aqui e acolá é toda e apressa
deslumbrante e indecente
Toco a paisagem descoberta
enquanto troco ávida e insistentemente

Saliva por saliva
Saliva por alma
Saliva por água
Saliva por cheiros amônicos
Saliva por cantos afônicos
Saliva por sabores cores e retalhos
Saliva por carinhos e atalhos
Saliva por restos de mar e cascalhos
Saliva por sal de pele água de suor
Saliva por riso rompido e despudor
Saliva por umidade calor água de tesão
Saliva por lindas bolhas de sabão

V.
E assim chovem pensamentos em carnes carro areia
Espaços livres onde meu desejo galopa e me golpeia
Que podem ser qualquer motel vagabundo
Qualquer rua deserta qualquer mundo
Qualquer banheiro de bar barato
Qualquer canto escuro, qualquer mato
Coração livre e pensamento inexato

Ali onde a saliva se esgueira entre cantos e dobras,
Transita por poros conchas e outras sobras
Já não sei o que produziu você
E o que sou eu
Mas todas as águas jorram unificadas...  entardeceu
Escoam finalmente chafarizes e cicatrizes do meu corpo ateu

VI.
Olhos d’água que se inventam, se demoram e brotam
Nascentes que minam pedras fluidas que não se esgotam
Sonhos que apunhalam, inseminam e não se importam
Com o falo simbólico opulento e  invisível
Onde só o prazer é guia e meta intransferível
E sonhos se reproduzem e permanecem...
Portanto são também vivos  os que padecem

VI.
Morro aqui uma pequena morte
- Dolorida e derradeira sorte.

Me debato quase afogada
Morrendo sem fôlego numa enchente anunciada.
em suas águas ....
em nossas águas...
deixo pra você meus sonhos submersos
mantenho-os aqui trancados nos meus versos.
MDansa

20/08/2016

sábado, 8 de outubro de 2016

467. Esbarro e te prendo em mim
















Esbarro em você neste caminho estreito
Soam despretensiosas notas casuais...
te espreito....
Despudoradamente sinto a pele arder
Jogos de luz e sombra sensoriais
toque leve ... que antecedo
maciez delicada ...  que segredo
viagem no tempo alguns segundos mais 
algo menos que nada
aquilo que contamos como eternidade, onde se permanece...
enquanto tudo tão rápido passa ...envelhece

Esbarro e me detenho na fração desse algum segundo
Deslizo nas cordas/fibras dos seus músculos e do seu mundo
numa união/mistura que me cola e que me toca
Pele com pele, harpa
Carne com carne, farpa
agentes de fusão invisíveis
Repriso o sabor a viagem avidamente indescritíveis
 ... respiro, não descolo
Não tem replay e não retorno
Permaneço fundida sem saída
Permaneço outra,  mais de uma que de mim, dois em um... quase assim
resultado de implantes, transplantes
Dessas peles novas em carnes velhas vermelhas e errantes
Repositório de poros e respiradouros humanos
Permaneço fodida e sangrando pensamento líquido e linfa pelos olhos insanos

Esbarro e peço perdão
E me desculpo pra que o olhar também se esbarre
Casualmente então olhos se confrontam se confortam aconchegam e acomodam
Lágrimas se somam  indissociáveis, alimentando um rio
Línguas serpenteiam e não falam por um fio
Olho para qualquer coisa no meio do caminho que não é um nem outro mas um outro terceiro
O que resulta daquele segundo único raro e passageiro
eterno como os deuses estrangeiros
Eterno aqui
Aqui mantido
Aqui pra sempre reprimido
Aqui ainda e ainda e ainda  tempo e toque
que não passa e não passará e não está mais, nunca esteve
Travas de olhares tão intricadas
Que Chaves não abrem
Que nenhuma força arromba
Que dinamites não explodem
Trevas de visão distorcida...
que não enxerga!
nem sei se permanece viva
no que me alberga

Esbarro e não sei mais o que fazer
Esbarro e você não sabe o que reter
Carregamos este estalido cármico lacônico compartilhado e mudo
Do nada que é presente, do insondável que é futuro e de qualquer coisa que é passado e quase  tudo

Aguardamos neste transito feroz
um sinal verde
que abra portas e janelas
que permita preencher de luz o dentro
enquanto transitoriamente aguarda o tempo
que nos esconde e  se esconde 
e dispara antes que se avermelhe ... verde talvez... ainda.. o sinal
o sinal de que tudo pode dar certo
um sinal... só um sinal...

Esbarro e fico e duvido
Fico  e escarro e saboreio
Encaro e defino e escancaro
Eu volto eu retorno eu volteio

Mas no instante seguinte quando me perco
É final de dia, de mês, de ano, dos tempos
Pode ser que seja um  recomeço *ou um retrocesso?)
com o sabor doce e amargo do que ficou por aqui pela língua
como memória


/08/2016
MDansa


466. Faz tempo que não anoiteço nem amanheço












I.
Faz tanto tempo que não mergulho na noite
Sem pressa
Daquele jeito espichado e comprido
Na calmaria de uma fuga sem remorso e sem desculpa

Faz tempo que não reservo um tempo pra escapar de tudo
E encontrar espaços vazios no céu noturno
De aconchego e pensamento perdido entre as estrelas

Faz tempo que não sinto que não tenho medo
Que tudo está certo e
Que tudo vai dar certo
que tudo que é errado encolheu, de repente
Como Alice ao atravessar mundos
Onde tudo sempre parece simples e pequeno e maluco

Faz tempo que não acredito no impossível
Mas escapo, e respiro ainda
e posso acreditar em alguma coisa
e de repente acredito em qualquer coisa

Faz tempo que não sossego
Que não calo
Que não falho
Que não choro
Que não olho
Que não me deixo engolir pela saudade

II.
Tudo que penso que vejo se projeta da terra ao espaço e some
Do espaço mergulha profundamente
Em crostas lácteas inconcebíveis purulentas e arrogantes
No seu íntimo molecular líquido e imaterial
Parece insano... parece irreal

Insano é o que não se alcança
Sempre será insano o que não entendem aqueles que não alcançam ... e nem ligam

O macro ou o micro indissociáveis e unos ... tanto faz qual a escala
Me perco nos mesmos caminhos sempre
O universo é redundante e continuo andando em círculos fractais
Não importa ...todo lugar é o mesmo e todo tempo é qualquer dia
E assim será
Nossa visão sempre será estreita e portanto falsa e estúpida
não precisa explicar ou me dar respostas... não vai adiantar

III.
Faz tempo que guardo este universo cíclico e sem saída trancado
Em algum lugar do tempo que é presente
Em algum espaço do tempo que parece passado
Em algum tempo-espaço que esqueço
Como meus óculos
Minhas chaves
E minhas certezas e contas
Meu coração bate tão depressa que rasgo o tecido quadridimensional
E viro pó
entupindo narinas

IV.
Faz tempo que não deixo
O velho desejo aprontar surpresas e ultrapassar certas barreiras
Faz tempo que não percebo como posso me perder em rumos inseguros e em dentições frágeis
-  bocas descalcificadas, gengivas sangrentas ogivas purulentas e dias desdentados -
Eu poderia enlouquecer entre esperas e surpresas, entre espermas e correntezas
E perdas e desprendimentos e distancias
E esse mau hálito que exala como flor morta em minha boca
Sua menta rescende e reacende o vigor das mesmas papilas e amígdalas
que agora vivem dos seus infindáveis sabores

V.
Faz tempo que não me aproximo
Que não me enrosco Que não fito perdidamente seus olhos
que não espero o nascer do sol, alaranjado, sem tempo e sem contagem regressiva
Quero voltar tudo que perdi, mas não tenho a audácia de pretender tecer os dias como uma teia de aranha!
 Aranhas tramam lindas armadilhas e capturam almas e moscas desavisadas
 Espero aqui mesmo, presa a esta teia, até o fim... por você

MDansa

20/08/2016