quinta-feira, 28 de março de 2013

Fingimentos poéticos - Ana Luisa Amaral

"finge tão completamente"
 
 
      Faz-me falta a tristeza 
      para o verso: 
      falta feroz de amante, 
      ausência provocando dor maior. 
        
      Tristeza genuína, original, 
      a rebentar entranhas e navios 
      sem mar. 
      Tristeza redundando em mais 
      tristeza, desaguando em métrica 
      de cor. 
        
      Recorro-me a jornal, mas é 
      em vão. A livros russos (largos 
      e sombrios). 
      Em provocado rio de depressão, 
      nem zepellin: balão 
      a ervas rente. 
        
      Um arrastão sonhando-se 
      navio. 
        
      Só se for o que diz o que 
      deveras sente. 
      A sério: o Zepellin. 
      Mas coração: 
      combóio cuja corda 
      se partiu.
      ____________________________________
       
      Ana  Luisa  Amaral é professora de Literatura  Americana  na Universidade  do Porto. É  autora de  diversos livros de poesia – Minha Senhora de Quê, (Coimbra, Fora  do  Texto),  1990), Coisas de Partir (Coimbra,  For  a  do Texto,  1993),  Epopéias  (Coimbra, For a  do  Texto,  1994),  E Muitos os Caminhos (Porto, Poetas de Letras, 1995), Às vezes  o Paraíso (Lisboa, Quetzal Editores, 1998). Literatura para a infância; Gaspar, O Dedo Diferente e Outras Histórias (Porto, Campo das Letras, 1999)  . Quem gosta de Fernando Pessoa, entende...

123. Oz

Sinto saudade
Todo dia
Vontade de te falar
de ver teu sorriso
de voltar a Oz
sapatos vermelhos de rubi...
de voltar ao começo
voltar à Foz
daquele rio
que não para de correr

MDansa

imagem: http://insanidadetemporariabyge.blogspot.com.br/2012/07/15-informacoes-inuteis-e-veridicas.html#comment-form

quarta-feira, 27 de março de 2013

122. Maria


Gaia
Maria
Terra
Dia

Indígena Morena
Dança da chuva
nos seus olhos negros
Segredos

Sorrisos meninos
força uterina
Seiva pueril 
Ardil

De cócoras 
escorre sua alma
como raízes
pulsante inteira
guerreira 

Pulseiras 
colares cocares
mãos artesãs
dores malsãs

Cabelos Ventania
Roda Maria Roda
Que a vida é agora
Te afaga e vai embora

MDansa

121. Mais do mesmo

Um pouco mais do mesmo
o mesmo veneno
a mesma dor
mais uma ruga de expressão
que não expressa
cala
a palavra recorrente
martela na cabeça
sufoca
esmaga
qualquer pensamento são
Corre a água do rio
que nunca é a mesma
mas é sempre igual
mesmo tema
mesmo sabor
água corrente
ciclo infinito
alma corrompida
vida congelada
mais do mesmo
e mais nada.

MDansa

quarta-feira, 20 de março de 2013

120. Palavras vãs

Palavras são uma busca constante
que expressam, como máscara ou gesto,
O ímpeto mais desesperado
O amor mais intenso
O horror mais contido
Palavras que agridam ou surpreendam
que reflitam ou ecoem
que destruam ou removam
Palavras garimpadas, percebidas, concebidas
Dar à luz as palavras ou inventá-las
Palavras que me perseguem
e, de repente, fogem, se escondem, me ignoram
e fico muda
imóvel e congelada
quase morta
Encontros e Desencontros
Fusão de quem eu sou
com quem tu és.
Palavras vãs aos seus pés

MDansa

119. Delírio



Eu venho do espaço
percebo o tempo
percebo o que está fora do lugar
e movo
A palavra floresce
O silêncio aprofunda
O tempo passou
Não há mais espera
Só o vazio
O coração mantem o rumo
Não pára de bater, não vacila
E a alma vai sucumbindo
me consumindo
De volta ao espaço
ignoro o tempo.
Potência de saída máxima
sem demora
Passado ou presente?
Quem sabe?
Só importa se você estará lá
Ou desapareceu levando suas dores

MDansa

118. Angústia



Seu silêncio
Uma presença vazia
Uma falta, uma saudade

Retrocedo à esperança e à ilusão
Tento esconder medos
buscar seu refúgio
Mas a palavra vem e se dissolve
sem se realizar

A coragem e a covardia
Duelam ao luar
O medo vence
A coragem 
mais uma vez

E lá vai você enfim
pra mais longe de mim

MDansa