sábado, 12 de abril de 2014

378. Amanhecer de outono



Amanhece escuro e arrastado agora
Demoro a reconhecer o dia chegando
Por trás de cortinas entreabertas e janelas
Travadas...
Meus olhos se demoram um bocado na paisagem
só pra ter certeza do que vejo                  (o mundo é real?)
só pra ter certeza da pintura em aquarela
feita por pincéis de seda chinesa
só pra confirmar o que a manhã fez surgir
no meu instantâneo emoldurado de pálpebras.

Amanhece meio amarelecido por tintas vintages
(como dentes velhos sorrindo lá fora) 
De onde veio essa cor que disfarça a rua?
/surpresa que me enche o peito e me alegra/

Amanhece abandonado
Com as ruas vazias
As luzes apagadas enganadas
por fótons de outra fonte eletromagnética
Quase eterna, quase etérea, quase venérea
Bêbados largados, moribundos, vomitados, estragados
Cachorros dormindo abandonados nas ruas,
Agasalhados em muros alheios.
Nuvens em bando
Atordoando tentativas de novos raios (pra lá de solares) tocarem o chão
Manchando a força do azul celeste
Que não acontece
não amanhece
Não azulece
Fica tudo assim meio cor de burro quando foge
É belo me deleito... espero...

O silêncio ainda ecoa
Vozes peraltas ainda sossegam.
Até quando crianças dormirão?
Os motores estão mortos, descansam, calados
mas só por um curto momento vazio,
Meus ouvidos gozam do silêncio, descanso
Ouço apenas e somente orações entoadas como refrão
Levantam-se da memória da infância
da casa assombrada por tantas saudades
( um dia escreverei sobre ela)
Ouço algum pássaro  algum morcego que avoa
Ruídos de fundo sossegam
limpam o background do mundo
sonegam meus cansaços ...
o mundo se mantém mudo

O asfalto resfriado pela brisa iniciará seu movimento oculto
Dilatando-se lentamente
com o calor que lhe penetra como a uma virgem
procurando espaços pra ficar
/defloração matutina outonal/

Como também  dilata-se lentamente
a menina dos meus olhos escuros
Quando te veem
O seu calor  dos olhos me aquece os poros e os espaços
Procurando brechas pra borbulhar
Fervem em mim ossos e  carnes
Derreto...
Deserto do meu dia e de tudo que não é manhã
para continuar...

Amanhece fresquinho
Intuindo este outono que mal começou
apenas ameaçou, vem vindo, tomando seu lugar...
Não existem folhas secas de multicores pardas
Como naquelas terras coloridas
/Colorado/
que ainda decoram minhas lembranças
marcando estações
refrescam meu quarto escuro
São murais de retratos pintados
e eu reconheço o ocre, verde, branco e cores
e todas que chegarão quando for o tempo  marcado
manchadas, marcadas, marcadas, marcas, marca, marcas, cicatrizes...

Aqui, entretanto, a manhã de outono tem cheiro e sombra
Tem movimento vagaroso, que se alastra...
Não é como o verão suntuoso,
festivo, ensolarado, depravado e fugaz
É sereno, tranquilo, seguro, monocromático
Intenso, violento  mordaz

Se a vida passasse assim...
/sem verões nem invernos/
Se a vida passasse sempre assim...
/como um amanhecer de outono/
eu amanheceria
eu tardaria
eu anoiteceria
sem dor
eu te olharia
com olhos de árvore
e sentidos de flor
imóvel sem mover pestanas nem  pétalas
/pra não perder nenhum gesto/
e balançaria meus galhos favoritos
e minhas melhores folhas ao vento
só pra te fazer cócegas
só pra trazer pra perto
nesse abraço arbóreo que cabe tão justo em mim
e levar pra longe a saudade
que já não me cabe mais

Atenção: Doa-se uma tristeza incurável
Num dia lindo de outono
Por que preciso do espaço aqui dentro
pra  amanhecer. 

MDansa

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