sábado, 11 de abril de 2015

419, Os pássaros



Ouvi contar que era uma vez
E de tanto repetir
Duas, três, quatro vezes
Virou história, virou verdade

Numa cidade pacata chegou uma revoada
Que tomou conta das árvores
Dos telhados e do sino da igreja
Empoleiraram-se num equilíbrio absurdo
Em fios postes cercas cruzes nuvens

Ouvi contar que era ano bissexto
E que a seca era de matar
Matava gado, criança, coragem
Mas os visitantes à espreita
Não morriam nem partiam
Espiavam aterrissavam, invadiam

Ouvi dizer que um belo dia
O céu seco escureceu abafando ares parados
Que se respirava ali, então
Diz-se que à noite bicavam
Janelas olhos letreiros

Ouvi que uma vez
Era um dia, desses iguais a todos
Homens arrumavam arapuca
Mulheres venenos
O padre rezas

Desta vez veio uma voz
Era uma voz que gritou seu próprio eco
Que bateu nas portas
Acordou os galos
Que quebrou vidraças
Que entupiu os ralos
Estilhaçou vitrais e taças
Arrebentou os tímpanos
-aqueles que ainda não haviam sido perfurados com os olhos

Ninguém sabe de onde veio
Só que era a sua vez
Ouvi a história que crianças choraram
Que mulheres suplicavam
Que dignidades caíram
Tortas, broncas, atônitas
Vermelhas de vergonha

Alguém contou que os pássaros decolaram
Levando nas garras
Casas tumbas pecados sacrilégios

A tal voz varreu o solo e a cidade se expôs
Pele do primogênito desonrado
Mostrando feridas seculares incontáveis

A chuva caiu
E todos agradeceram se banharam e se beberam
Restou como leito poeira e penas
Corpos à deriva
Paralisados de alivio
E molhados de chuva

08/03/2015
MDansa
inspirado no filme " Os pássaros" do grande Alfred Hitchcock

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